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sexta-feira, março 17, 2006

País errado

by Martim Avillez Figueiredo in DE


Há um detalhe muito curioso nestas duas OPAs que acordaram o país.

É mais do que um detalhe, é quase um estado de espanto geral que se apoderou do país. Reza assim: como é possível que Belmiro de Azevedo e Paulo Teixeira Pinto não tenham combinado as suas OPAs? Isto é, o país está perplexo com o facto de o primeiro não ter acertado a compra da PT com o Governo e o segundo não ter negociado com Fernando Ulrich. É espantoso.

O mesmo país que se indigna contra os privilégios em sondagens televisivas e fóruns radiofónicos, somado sobretudo aos agentes económicos que reclamam o mesmo em páginas de jornais e programas de grande audiência, acusam agora estes dois homens de parecerem amadores num negócio de milhões. Ou seja, são aqueles que reclamam a mudança que não estão preparados para ela. E se isto é verdade, então é possível refrear o entusiasmo e olhar para estas OPAs de forma menos entusiástica.

Primeiro problema: o sector financeiro português não estava preparado para uma movimentação de mercado tão escandalosamente livre como estas duas. Melhor dito: o sector admitia OPAs, mas pelos vistos esperava que fossem feitas via habituais arranjinhos nacionais. Não foram. Teixeira Pinto não se concertou com accionistas, preferindo respeitar as regras do jogo – e em vez de combinar com três ou quatro, fez uma oferta pública a todos. Ou seja, o mercado desvalorizou o que devia valorizar – a dinâmica da oferta consiste em valorizar o mercado, não em proteger interesses estabelecidos (a não ser, legitimamente, os próprios). As próximas OPAs que se lançarem sobre a economia nacional, portanto, já saberão que este mercado valoriza mais o ‘status quo’ (proteger os accionistas maioritários e os poderes estabelecidos) do que a simples criação de valor.

Segundo problema: um país que não está disponível para aceitar que um mercado livre funciona assim (cumprindo regras de jogo e não interesses corporativos) não está preparado para o momento que deseja viver – esse a liberalização total da economia. Porque não basta acreditar no mercado para que isso se materialize. É preciso estar disposto a aceitar que – se ele funcionar de forma verdadeiramente livre – os que hoje têm muito podem amanhã ter pouco. Chamem-lhe sonho americano, o que se quiser – mas não é possível conceber mercados livres sem supor inevitáveis alterações de poder.

O que produz uma conclusão simples: Portugal não pode continuar a acusar sucessivos governos de impedir a mudança, quando é uma parte significativa desse que não deseja mudar. O país é cada um de nós – e cada um de nós tem de estar preparado para mudar. Para mudar muito.

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